quinta-feira, 19 de julho de 2012

Marketing focado em crianças

O ser humano não nasce consumidor. Mas, à medida que cresce e que observa o comportamento de consumo de seus pais e das pessoas que participam do meio em que vive, vai tomando consciência de que suas necessidades poderão ser atendidas por produtos. E vai também incorporando a percepção de que seus desejos poderão ser satisfeitos por “aquele” determinado produto anunciado em propagandas e divulgado pelo trabalho de marketing das empresas.

Mudanças demográficas e estruturais nos lares no Brasil e também em outros países estão trazendo novas configurações às relações familiares, fazendo com que esse impulso para o consumo desponte cada vez mais cedo na vida das pessoas. Um dos resultados dessas mudanças é que as crianças estão exercendo grande influência sobre a decisão das compras familiares (BOTELHO, BOURGUIGNON e CRUZ, 2009).

Com acesso a informações recebidas, principalmente através da internet e televisão, as crianças não são mais vistas como sujeitos passivos nesse processo, mas como sujeitos ativos e curiosos, sempre atentos às novidades. O objetivo deste artigo é apresentar algumas reflexões sobre resultados de estudos realizados no Brasil sobre o poder de influência das crianças (com idade de 3 a 10 anos) na decisão de compra dos pais. Produzimos este texto a partir de trabalho de conclusão de curso que realizamos na Pós-graduação em Marketing, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus de Frederico Westphalen (RS), com orientação do professor Roberto Vilmar Satur.

Nova estrutura familiar
Ao observarmos a história da humanidade, verificamos que a ideia de infância como um estágio distinto da vida é uma noção relativamente recente. Até bem pouco tempo atrás, as crianças eram vistas e tratadas como adultos em miniatura (ARIÉS, 1981), mentalmente pouco desenvolvidas, sem desejos próprios e sem direito a emitirem opiniões. Os pais decidiam tudo por elas e as orientavam em todas as fases do seu crescimento e desenvolvimento. Somente nas últimas décadas é que essa realidade começou a mudar. E são mudanças rápidas e profundas, desencadeadas, entre vários outros fatores, especialmente pela redução do tempo de permanência dos pais junto com os filhos. Não só os pais, mas também as mães saíram de casa para trabalhar, passando a dedicar menos tempo aos filhos e às atividades domésticas. Esse fenômeno também pode ser visto em outros países, onde cada vez mais casais trabalham em período integral fora de casa.

Essas mudanças ocorridas na sociedade e na organização familiar, nas últimas décadas, trouxeram reflexos diretos nos modelos de educação dos filhos. Deixando de acompanhar mais de perto o desenvolvimento das crianças, os pais passaram a permitir e até mesmo a encorajar seus filhos na participação da tomada de decisão dentro de casa (BOTELHO, BOURGUIGNON, e CRUZ, 2009). Existe hoje uma tendência para que a relação com a criança seja marcada pela negociação e pelo diálogo. Verifica-se que a criança passou a ter o direito de ser ouvida pelos adultos e de fazer reivindicações.

Outro aspecto importante a considerar refere-se à facilidade de acesso à informação da atual geração de crianças e adolescentes, em contraposição às gerações de 30, 40 anos atrás. Os quartos de grande parte das crianças e adolescentes deste milênio (pelo menos os da classe A e B), lugar onde passam a maior parte do tempo, estão equipados com computadores com acesso à Internet, televisões, rádios e telefones (SALES DE AGUIAR, 2009). Isso permite que informações sobre produtos e marcas cheguem rápida e facilmente, fazendo com que as crianças sejam, muitas vezes, mais conhecedoras das ofertas do mercado do que seus próprios pais, mesmo porque estes têm menos tempo para a busca de informação do que seus filhos.

Por conta de todas essas mudanças, as crianças desempenham hoje um papel importante no ato de consumir, seja através de produtos voltados a esse nicho, ou influenciando a decisão de compra dos adultos. Essas observações confirmam-se por meio de um estudo da TNS Research International. As pesquisas constatam que as mudanças nas relações de poder entre pais e filhos, no que se refere a compras, estão diretamente relacionadas às alterações estruturais das famílias, decorrentes, especialmente, da maior participação da mulher no mercado de trabalho e do aumento da média de mães solteiras e provedoras da família (ANDI, 2009).

Formação do consumidor
E como se dá a participação dos pais nesse processo de transformação da criança em um sujeito ativo e influenciador nas decisões de compras familiares? Segundo Solomon (2002), a socialização do consumidor, ou seja, o desenvolvimento das habilidades de consumo nas crianças é fruto de um processo histórico e social do qual participam a família, amigos e professores. Mas a fonte primária seriam os pais, pois estes deliberadamente tentam incutir seus próprios valores sobre consumo em seus filhos. “As crianças aprendem sobre consumo vendo e imitando o comportamento de seus pais”, afirma o autor. São os pais também que determinam o grau de exposição de seus filhos a outras fontes de informação, como a televisão, internet, grupo de amigos, etc.

Decorrente, portanto, dessa “liberalidade” concedida pelos pais, na maioria das famílias que habitam nas cidades, as crianças atualmente se sentem mais autônomas para decidirem sobre o que fazer do seu tempo livre, e a televisão tem se tornado um dos passatempos mais comuns para elas. Superexpostas à propaganda e bem informadas sobre o universo do consumo, as crianças interferem na escolha de produtos infantis, e também nas compras dos adultos. As crianças estão aprendendo a pesquisar produtos, escolher marcas, receber e filtrar as mensagens e, enfim, a comprar. Esse aprendizado é exercitado à medida que quanto mais elas se inserem no processo de decisão da família, mais contam com a confiança dos pais no aconselhamento para o consumo, levando-as a uma maior influência na compra e, consequentemente, refinando seu processo de aprendizagem.

Em tempos de crise ou mesmo de necessidade circunstancial de contenção de gastos, as famílias apertam os orçamentos e reduzem o espaço para o supérfluo. Nessas situações, as solicitações dos filhos acabam colocando os pais em situações difíceis: ao mesmo tempo em que devem manter a preocupação com os gastos domésticos, não desejam que seus filhos sejam excluídos de determinados grupos por não possuírem certos produtos ou marcas. Muitas crianças têm percepção desse dilema dos pais e se utilizam disso como argumento para exigirem o atendimento de seus pedidos. A negação de determinada compra por parte dos pais, portanto, deve ser delicadamente negociada.

Segmento diferenciado
O mercado acompanha atentamente as tendências de consumo e os novos nichos que se formam. A criança é hoje considerada como um segmento de mercado diferenciado pelos profissionais de marketing e diversas pesquisas vêm sendo feitas na busca de uma melhor compreensão desse público consumidor (SALES DE AGUIAR, 2009). O objetivo é “criar laços” com o público infantil e estimular o consumismo por meio de diferentes estratégias.

As crianças, mais informadas, com opiniões formadas, vontade própria e muitas vezes com seu próprio dinheiro, são um alvo apetecível para o mercado, que as veem não só como um grupo para influenciar as decisões de compra hoje, como também como os compradores do futuro. Os apelos de consumo são fortemente veiculados através especialmente da televisão, quer seja pelas propagandas diretamente, pelos apresentadores, ou por merchandising em programas infantis e novelas.

A facilidade em assimilar informações, seu desejo pelo novo e a natural curiosidade pelas descobertas fazem com que as crianças, atualmente, sejam consideradas como consumidores três em um: 1) exercem o papel de consumidores mirins; 2) são promotores do consumo familiar; e 3) serão futuramente adultos consumidores. As estratégias de marketing para esse público devem ser definidas, portanto, a curto, médio e longo prazo, o que implica dizer que as marcas têm que pensar o que farão hoje para influenciar a opinião das crianças e adolescentes e ainda continuar a receber os frutos desse planejamento num prazo de cinco a dez anos.

Conquistar as crianças, no entanto, é tarefa árdua. Apesar de inocentes, são também muito voláteis e exigentes, sendo muito difícil fidelizá-las. Para conquistar as crianças, as marcas têm que ser verdadeiras, cumprir as promessas, ser transparentes e oferecer o que elas realmente gostam e desejam. Nesse sentido, os pequenos não são muito diferentes dos consumidores adultos.

FONTE: Mundo do Marketing, por Solange Leitte.

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